Fraude no comércio de café: grupo formado por empresários, produtores e policial civil causou rombo que pode chegar a R$ 1 bi
28/11/2025
(Foto: Reprodução) Policial Civil e outras 13 pessoas são presas em operação contra fraude milionária
O esquema de fraudes fiscais no setor cafeeiro envolvendo empresários, produtores rurais, contadores, funcionários de empresas, comparsas "laranjas" e até um policial civil pode ter provocado um prejuízo que ultrapassa R$ 1 bilhão aos cofres públicos. A estimativa é da Secretaria da Fazenda do Espírito Santo (Sefaz).
Segundo o secretário estadual da Fazenda, Benicio Costa, o grupo usava empresas "noteiras" para emitir notas fiscais falsas e simular transações de café, principalmente para Sergipe.
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O rombo biolionário foi revelado durante a Operação Recepa, deflagrada na quinta-feira (27) pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e que levou à prisão de 14 pessoas no Espírito Santo, em Minas Gerais e Sergipe.
“Considerando apenas os impostos, o prejuízo foi de cerca de R$ 400 milhões, mas, com juros e multas, esse valor pode chegar a mais de R$ 1 bilhão. Então, essas empresas vão ser autuadas e terão que responder além da parte tributária, mas também pela parte criminal, em crimes de sonegação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, entre outros”, afirmou.
Ele explicou ainda que as empresas serão autuadas e devem responder por crimes como sonegação, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Quatorze pessoas foram presas durante uma força-tarefa coordenada pelo MPES para desmontar o esquema envolvendo a comercialização de café. Dois empresários investigados são considerados foragidos. São eles:
Wenderson Gavassoni de Azevedo, o Nem: administrador da empresa Blend Café, em Colatina, um dos alvos da investigação;
Márcio Barrozo Aranha: administrador de outras empresas apontadas como envolvidas no suposto esquema.
Quatorze pessoas são presas em operação contra fraude no comércio de café gera prejuízo de R$ 400 milhões aos cofres do Espírito Santo.
Reprodução/MPES
As investigações começaram em 2022, quando chamou a atenção da Receita Estadual um aumento significativo no número de empresas "noteiras" no setor de café.
"Auditores fiscais passaram a detectar que essas empresas tinham um esquema parecido de fraude, onde adquiriam café conilon de outros estados, o que não fazia muito sentido já que este tipo de café é produzido em sua maior parte no Espírito Santo. Mas isso era feito, justamente, para depois transferir notas para essas empresas distribuidoras que enviavam o grão, principalmente, para Sergipe", detalhou Benicio.
De acordo com o secretário, considerando juros e multas, o valor tributário evadido do estado pode ultrapassar R$ 1 bilhão.
Entre os detidos está um policial civil, identificado como Walace Simonassi Borges, que trabalhava em Marilândia, mas foi localizado em Colatina, ambas no Noroeste do Espírito Santo. Ele foi alvo de mandados de busca e de prisão preventiva.
O MP não detalhou qual seria a participação dele no esquema. A defesa de Walace Simonassi Borges afirmou que não existe nada que desabone a conduta dele e que vai demonstrar que o cliente não tem envolvimento com o esquema criminoso.
Ainda de acordo com o MP, em audiências de custódia realizadas nesta sexta-feira (28), foram mantidas as prisões preventivas de 14 pessoas detidas durante o cumprimento de mandados de prisão da Operação Recepa.
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O policial civil Walace Simonassi Borges foi preso durante a Operação Recepa, contra fraude no comércio de café no Espírito Santo.
Reprodução
Como o esquema funcionava
De acordo com o MPES, o esquema envolvia empresários, contadores, produtores rurais, funcionários de empresas e "laranjas".
O grupo criou uma rede de empresas "noteiras" responsáveis por emitir notas fiscais falsas para simular transações de café e gerar créditos tributários indevidos.
Ainda segundo as investigações, as fraudes ocorriam a partir do regime de tributação do ICMS aplicado ao café cru no estado, no qual o imposto só é recolhido nas etapas finais da cadeia.
Com isso, os criminosos compravam café sem nota fiscal, legalizavam o produto com documentação falsa e simulavam vendas para outros estados, principalmente Sergipe.
Operação Recepa
Operação Recepa tinha 16 mandados de prisão expedidos, destes, 14 foram cumpridos. Os nomes dos investigados não foram divulgados, mas a TV Gazeta teve acesso à informação. São eles:
Devanir Fernandes dos Santos
Henrique Martinelle de Oliveira
Júlio Cezar Mattedi
Lucas Scalfoni Fracaroli
Marcio José Pereira Lemos
Márcio Barrozo Aranha
Rivadar Maia da Fonseca
Rosemeire Sommer Silva
Taciano Soares Mattedi
Thiago de Resende Gava
Vitor Silva Vitório
Walter Luiz Schellemberg Filho
Walace Simonassi Borges
Weber de Moraes
Wenderson Gavassoni de Azevedo
Wesley Pereira Lourenço
O g1 entrou em contato com as defesas dos citados (leia mais abaixo). Alguns ainda não responderam à reportagem.
Além das prisões, 37 mandados de busca e apreensão também foram executados, e apreendidos cerca de R$ 360 mil, três armas, joias, celulares e computadores que vão passar por perícia.
Também foi realizada a indisponibilidade de cerca de 190 veículos, ou seja, estão bloqueados judicialmente, não podem ser vendidos, transferidos, usados como garantia ou ter qualquer alteração de propriedade enquanto durar a investigação ou o processo.
Empresa em Colatina foi alvo da operação
Foram cumpridos mandados na sede da empresa Blend Café, que atua na importação e exportação de café em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo.
TV Gazeta
No Espírito Santo, as ações aconteceram em Rio Bananal, Guaçuí, Governador Lindenberg, Colatina, Linhares, Vitória, Serra, Irupi e Vila Velha. Um mandado de busca e apreensão foi cumprido em Muriaé, Minas Gerais, e um em Aracaju, Sergipe.
Também em Colatina, foram cumpridos mandados na sede da empresa Blend Café, que atua na importação e exportação do grão, e tem como proprietário Wenderson Gavassoni de Azevedo, investigado que aparece na lista dos envolvidos com mandados de prisão em aberto. (veja acima)
Representantes do grupo se manifestaram, disseram que a empresa atua dentro da lei e vai colaborar com as autoridade na investigação.
"A Blend Café esclarece que não compactua com qualquer irregularidade e reforça que suas atividades seguem estritamente dentro dos parâmetros legais. A empresa preza pelo rigor em seus processos internos e pela seriedade que pauta sua história, razão pela qual permanece tranquila e confiante sobre a lisura de suas práticas", informou.
A empresa disse ainda que 'tão logo tenha acesso integral às informações relativas à operação conduzida pelo Ministério Público, a empresa se colocará à disposição das autoridades e, como sempre fez, colaborará para o pleno esclarecimento dos fatos'.
Sacas de café sem nota fiscal
Na prática, as sacas eram adquiridas sem nota, geravam créditos irregulares de ICMS e as dívidas iam para laranjas. Depois, “legalizavam” o produto com notas de entrada emitidas pelas noteiras.
Ao vender para outros estados, simulavam que as operações eram feitas por essas empresas de fachada, evitando o imposto devido.
Segundo as investigações, uma indústria de torrefação em Sergipe e empresas atacadistas do Espírito Santo figuram entre as principais beneficiárias.
Manifestação dos promotores de Justiça
Em nota, os promotores de Justiça responsáveis pelo caso lembraram a importância econômica do Espírito Santo na produção de café conilon e destacaram a gravidade do esquema.
“O Espírito Santo é o maior produtor de café Conilon do Brasil, responsável por alimentar a indústria nacional e internacional nesse setor, sustentar milhares de famílias, movimentar municípios inteiros e gerar riqueza que toca todos os serviços públicos. Quando um crime ameaça esse setor, ele ameaça nossa história, nossa economia, nossos produtores rurais e todo o povo capixaba”.
Quatorze pessoas são presas em operação contra fraude no comércio de café gera prejuízo de R$ 400 milhões aos cofres do Espírito Santo.
Reprodução/MPES
Os promotores reforçaram que a Operação ocorreu depois de meses de investigação técnica, relatórios robustos, análises de inteligência e provas inequívocas.
“O crime que combatemos não é apenas fiscal. Ele destrói a arrecadação do Estado, serviços públicos essenciais, direitos fundamentais, produtores honestos, empresas que jogam limpo, segurança jurídica e confiança no sistema tributário. E destrói, sobretudo, o setor que sustenta o Espírito Santo e nos coloca como referência nacional. Hoje, protegemos tudo isso!”.
O que dizem os envolvidos
As defesas de Wesley Pereiras Lourenço e Taciano Soares Mattedi disseram que no momento não vão se pronunciar.
A defesa de Márcio Barrozo Aranha informou que as investigações em curso tramitam sob segredo de justiça, motivo pelo qual todos os esclarecimentos serão prestados exclusivamente nos autos. Diss ainda que Márcio está colaborando e confiante de que provará sua inocência no decorrer da investigação.
A defesa Rivadar Maia da Fonseca sustenta a absoluta inocência de seu constituinte, afirmando que "os fatos descritos na exordial acusatória não encontram respaldo na realidade fática. Aduz que o acusado não possui qualquer participação ou vínculo com as condutas que lhe foram imputadas no presente feito".
A advogada que atende a Henrique Martinelli de Oliveira disse que iria falar com a família e retornaria a reportagem.
Não conseguimos contato com as defesas de Wenderson Gavassoni de Azevedo e Walter Luiz Schellemberg Filho.
As defesas de Devanir Fernandes dos Santos e Vitor Silva Vitorio não deram retorno até a última atualização da reportagem.
Origem do nome
O nome da operação, Recepa, é o termo usado para uma poda drástica na lavoura do café. Ela permite que a planta brote novamente, recuperando a produção após alguns anos, sem perder a genética original.
A operação foi conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate à Sonegação Fiscal (GAESF/MPES), com apoio da Sefaz, Receita Federal e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO/MPES) e contou com a participação de mais de 150 agentes públicos.
Também participam a Polícia Penal, o Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES e os Ministérios Públicos de Minas Gerais e Sergipe.
A Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Espírito Santo (CGPC) disse que participou da operação especificamente no cumprimento dos mandados que envolveram o Oficial Investigador de Polícia (OIP) e afirmou que vai abrir procedimento administrativo disciplinar para apurar sua conduta.
Empresa de café de Colatina é alvo de investigação do Ministério Público
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